sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

CARREIRA DOCENTE E INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO EM PERIGO

Dante Augusto Couto Barone*
Recentemente, em julho de 2010 o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) apresentou ao movimento docente projeto de lei (PL) sobre a estruturação do Plano de Carreira e Cargo do Magistério Federal, a ser encaminhado ao Congresso Nacional.
O referido PL tem diversos pontos falhos, sobretudo ao desconhecer a autonomia universitária na valorização das diferentes atividades acadêmicas que compõem o labor docente e pela atitude de conceder aumentos mínimos, não através de reajustes salariais, mas sim através desse "novo plano de carreira".
No entanto, cabe ressaltar um aspecto de fundamental importância, o qual, uma vez aprovado o PL, desconstituirá na prática o que é pregado para o ensino superior público de qualidade pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, através da indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão.
Neste sentido, o PL fica na contramão da resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) homologada pelo Ministro da Educação em 5/10/2010, que torna mais rígidas as regras para que instituições do ensino superior sejam consideradas universidades, pelas quais torna-se obrigatório que estas tenham forte atuação em pesquisa e em extensão.
Vamos então analisar, muito brevemente, os pontos falhos mencionados em relação à pesquisa e à extensão.
1) Quanto à pesquisa: como pode o governo ignorar as metas estabelecidas por ele próprio, através de diferentes ministérios e agências governamentais, no que tange ao desenvolvimento científico e tecnológico do país? Recentemente, foi divulgada a Avaliação Trienal da Capes dos cursos de pós-graduação no Brasil. Em 14/9/2010, o presidente da agência, prof. Jorge Guimarães, afirmou que "o Brasil deve chegar nos próximos anos ao ranking dos dez países que mais produzem artigos científicos no mundo. Assim como o país já possui um dos dez maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do mundo, o objetivo é chegar nesse mesmo patamar dentro dos próximos anos". Disse ainda que "mais de 90% da produção de conhecimento científico vem da pós-graduação no Brasil".
Sabe-se que mais de 80% da formação de recursos humanos em nível de doutorado e mestrado e da produção científica em periódicos com alto fator de impacto, fatores altamente correlacionados, são fruto dos programas de pós-graduação das instituições públicas, e muito particularmente das Ifes.
O PL, ao associar as progressões de nível somente ao número de horas-aula em graduação dos docentes, engessa em grande parte a motivação pela dedicação à investigação e produção de conhecimento. Acena, de forma equivocada, uma "certa" valorização da pós-graduação ao pontuar que, para progredir ao novo nível "senior", deve o docente ministrar aulas em curso de pós-graduação. Isto é discriminatório, não considerando que, idealmente, todos os professores doutores em todas as classes podem estar envolvidos com a formação de mestres e doutores.
Ademais, ao assegurar a criação da função gratificada unicamente aos coordenadores de cursos de graduação, o projeto novamente desconsidera o que seja a educação superior no país, já que muito da excelência conseguida na formação de RH na graduação se deve ao fato de que os alunos das Ifes contam com docentes engajados na produção de conhecimento, estando no estado da arte em suas respectivas áreas de competência.
Há que se destacar mais uma contradição e prejuízo embutidos no PL quanto ao desenvolvimento científico e tecnológico. Ao romper acordo firmado com as carreiras do Magistério Superior (MS) e do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT) dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) - rede esta que tem crescido muito nos últimos anos devido a fortes investimentos federais -, o governo ignora o potencial destas instituições para a produção de CT&I.
Além disso, apresenta mais uma forte contradição, já que os cursos de "tecnólogos", majoritariamente oferecidos pelos IFs, não serão mais analisados pelos mesmos critérios dos bacharelados, continuando como critério de avaliação a pesquisa e produção cientifica daqueles.
2) Quanto à extensão: Novamente torna-se surpreendente que o PL possa ignorar toda a importância que a extensão universitária vem assumindo, principalmente nas IES públicas nos últimos anos. A extensão não só representa e consolida a relação dialógica da universidade com a sociedade como também permite retroalimentar a produção de conhecimento e o desenvolvimento de novas práticas através da ação, trabalho e observação nas comunidades.
No tocante ao desenvolvimento cientifico e tecnológico e inovação, a extensão universitária também possui importante papel, não só através da divulgação cientifica como também por meio de ações educacionais coordenadas com o ensino básico, nos níveis fundamental e médio.
Como poderá o estado brasileiro suprir o déficit de 250 mil professores na educação básica, nas áreas de ciências, física, química, matemática e biologia, se não adotar estratégias coordenadas da educação superior com a educação básica, tendo aí a extensão universitária um papel chave?
Acreditamos ter levantado apenas alguns pontos que o referido PL, que extingue a atual carreira (Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos - PUCRCE), irá ocasionar no âmago das atividades docentes nas Ifes, como total desestímulo às atividades precípuas que se espera dos docentes engajados na transformação da realidade social e econômica do país, através de suas ações em pesquisa e em extensão.
Esperamos que o atual governo, em seu período final, a sociedade brasileira e os candidatos presidenciais se dêem conta de que se quiserem efetivamente colocar o país no rol dos países mais importantes do mundo, terão de valorizar adequadamente os educadores de todos os níveis. E também deverão tratar os formadores dos formadores de todo sistema educacional, os docentes de ensino superior, como uma carreira de Estado, aliando discurso e prática, e transformando o sonho de uma nação próspera e socialmente justa em realidade para as próximas gerações.

Obs. Título original do artigo modificado pelo editor do Jornal.
Dante Augusto Couto Barone. É hora de priorizar as Ifes com carreira docente motivadora. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=74097. Acesso em: 02/12/2010.
*Dante Augusto Couto Barone é membro da diretoria da SBPC (secretário) e professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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