quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dilma volta a defender a usina de Belo Monte - REVISTA ÉPOCA

09/08/2011 - 16:21 - Atualizado em 09/08/2011 - 18:20
Dilma volta a defender a usina de Belo Monte

Segundo a presidente, hidrelétrica é "fundamental para o desenvolvimento da região", e não vai alagar terras indígenas. Movimentos locais temem impactos sociais e ambientais da usina

A presidente da República, Dilma Rousseff, voltou a defender a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, principal obra do PAC. Em coluna semanal publicada em vários jornais do país, Dilma disse que o empreendimento é "fundamental para o desenvolvimento da região".

Segundo a presidente, a obra não será prejudicial aos povos indígenas da região. "O reservatório não vai atingir nenhuma das dez terras indígenas da área. Os povos indígenas não serão removidos de suas aldeias", diz Dilma. A usina enfrenta resistência de movimentos socias e dos índios Kayapó.

Dilma também ressaltou os projetos ambientais que o empreendimento deve implementar para atenuar os impactos da obra. "O Estudo de Impacto Ambiental da Usina prevê a implantação de Unidades de Conservação que totalizam 280 mil hectares de florestas. A hidrelétrica terá um canal ou escada de peixes, para não interromper a piracema. E começamos a implementar o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingul", afirma.

O projeto de Belo Monte é polêmico. Apesar de o reservatório não alagar terras indígenas, movimentos sociais de oposição à hidrelétrica alertam que a barragem vai secar trechos do rio Xingu que são importantes para índios e ribeirinhos. Esse impacto foi considerado apenas como "indireto" nos estudos de viabilidade da usina.

A obra enfrenta forte resitência de ambientalistas e povos indígenas pelos impactos sociais e ambientais que pode causar, e chegou a instâncias internacionais: a Comissão Interamericana de Diretios Humanos, que faz parta da Organização dos Estados Americanos (OEA), recomendou em abril deste ano que o governo brasileiro interrompesse o processo de licenciamento ambiental e o início das obras. Na semana passada, a ONG Anistia Internacional publicou um estudo, sobre povos indígenas em todo o mundo, dizendo que a obra pode causar "enormes problemas para a sobrevivência" dos povos indígenas.

No mês passado, a reportagem de ÉPOCA esteve em Altamira, interior do Pará, e testemunhou as mudanças que a cidade vive com a chegada do empreendimento. Estima-se que a barragem vai atrair mais de 100 mil pessoas para a região, dobrando o tamanho da cidade. A usina aumenta a renda do município, mas tem um forte impacto social, como aumento de criminalidade e de focos de doenças como dengue e malária.

“Quem colocou o dinheirinho em Belo Monte está rindo pras paredes”, diz presidente da Norte Energia - REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA - 10/07/2011 - 15:36 - Atualizado em 11/07/2011 - 12:28
“Quem colocou o dinheirinho em Belo Monte está rindo pras paredes”, diz presidente da Norte Energia

Aos 68 anos, o engenheiro eletricista Carlos Nascimento diz se sentir na flor da idade. Repete insistentemente que, quando descobrir sua fórmula da longevidade, vai revelar a todos. É preciso mesmo muito pique para ocupar seu atual posto. Presidente da empresa Norte Energia, Nascimento está à frente de uma das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Trata-se da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, que promete gerar energia para 60 milhões de residências. A usina será a terceira maior do mundo, atrás de Três Gargantas, na China, e da binacional Itaipu.

O gigantismo da obra, a propósito, é proporcional à polêmica que vem causando nos últimos 30 anos. Por mais de uma vez, a hidrelétrica foi prorrogada por sofrer forte pressão – inclusive por parte de celebridades mundiais. Nos anos 80, o cantor britânico Sting e o cacique kayapó Raoni lideraram um levante contra o projeto. A repercussão ganhou vulto e, como o Brasil precisava de dinheiro de fora, a barragem parou. São várias as acusações sobre Belo Monte. Segundos seus críticos, ela deve reduzir as águas do Xingu, onde está sendo construída, a níveis insuportáveis. Também mudaria (para pior) a vida de índios e ribeirinhos da região. Mas Nascimento diz ter fé. “A gente tem de pedir as bênçãos de Deus a cada milissegundo”, afirma ele, católico praticante.
Época – Quando as obras civis de Belo Monte começarem, a mão de obra local não vai ser suficiente. A cidade está preparada para receber os migrantes?
Nascimento – Se Belo Monte fosse criar esse caos extraordinário que muitos apregoam, já teria acontecido. No passado, quando se dizia que uma usina seria construída, o fluxo migratório chegava logo. E você não está vendo isto acontecer. O Brasil hoje é um grande canteiro. Tem as obras da Copa, das Olimpíadas. Essas pessoas não vão migrar.

Época – Não foi o que ocorreu recentemente com as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. As obras atraíram milhares de pessoas para a região de Porto Velho... Nascimento – Mas Belo Monte é um local mais isolado. Os acessos não são tão fáceis como em Rondônia. Porto Velho já contava com linhas regulares de aviação. Já existia um fluxo normal para aquela região. No caso de Altamira não. A gente ainda tem problemas com a Transamazônica, por exemplo. Tudo isso dificulta a chegada. E faz com que grande parte da mão de obra seja local, treinada em pouco tempo. Só virão de fora as pessoas para atividades de alta complexidade.

Época – Quer dizer que a Norte Energia não conta com uma migração em massa para Altamira?
Nascimento – Não. Nós não estamos contando com uma migração em massa. Esperamos que não aconteça. Queremos que grande parte da população daquela região possa ter o privilégio de construir uma obra que, durante tanto tempo, foi o anseio deles.
Época – O modelo do setor elétrico tem prazos apertados de geração. É sabido que, tão logo a licença sai, vocês colocam as máquinas nos canteiros. O preparo da cidade que vai abrigar a obra acaba em segundo plano. Como resolver isto?
Nascimento – Este é um grande problema, mas isto tudo foi planejado. Nós temos um fluxo que indica o número de pessoas que serão necessárias ao empreendimento. Muitos que chegam vão montar seus próprios negócios: uma lavanderia, um açougue ou padaria. Essas pessoas já têm poder econômico. Vão comprar um local, construir alguma coisa. Já o consórcio construtor vai montar as áreas onde os trabalhadores vão ficar grande parte da semana. Eles vão sair pouco de lá. Vão ficar distantes destas sedes municipais. Só vão para as cidades no final de semana, para gastar seu dinheirinho, fazer compras. Nós acreditamos que a vida lá não vai continuar do jeito que estava. Vão acontecer algumas perturbações. Mas vamos procurar mecanismos para adequá-las.

Reprodução
Época – O modelo do setor de construção civil sempre contou com essa massa migratória. Por que seria diferente com Belo Monte?
Nascimento – Este é o empreendimento mais debatido que temos hoje no Brasil. Todos os dias ele está na mídia. Você esteve em Altamira e viu. Em uma cidade pequena, se chegarem de uma vez 300, 400 ou 500 pessoas, os hotéis vão ficar super lotados mesmo. Mas daqui alguns dias os canteiros de obras vão começar a ser montados. A população que vai chegar para trabalhar no empreendimento vai ter suas instalações próprias, local de lazer, seu campo de futebol, sua mesa de pingue pongue, seus jogos eletrônicos, sua internet. É claro. Nos finais de semana, elas vão a Altamira, ou viajar para os locais próximos. Mas não dá para dizer que existe hoje um caos naquela cidade. E nós esperamos que não aconteça. Temos procurado, em comum acordo com os prefeitos dos municípios afetados, minimizar os possíveis impactos. Para que este empreendimento possa ser feito com a melhor harmonia possível.

Época – A que tipo de perturbações o senhor se refere?
Nascimento – Você sabe... Até na nossa vida individual acontece. A gente faz planejamento para reformar uma sala, um banheiro... Mas os imprevistos chegam. É o pedreiro não vem. O carpinteiro que falta porque teve problemas. Ou seja, as coisas não são certinhas, certinhas, certinhas. A gente se esforça o máximo para ter a menor perturbação possível. Mas nem sempre conseguimos. Apesar de estarmos sempre dispostos

Época – A falta de comunicação entre a Norte Energia e as pessoas que serão realocadas está gerando um clima de insegurança em Altamira. Milhares de famílias invadiram há algumas semanas um terreno privado por medo de ficar sem teto. Por que vocês ainda não falaram com estas pessoas?
Nascimento – Nós já contratamos funcionários para falar com essas pessoas. A partir de junho, quando saiu a licença, começamos a contratar. Antes a gente não tinha como fazer isto. Você só pode adquirir um financiamento para um empreendimento deste porte quando você tem todas as licenças ambientais. Nenhum banco vai dar dinheiro para você se não existe uma licença autorizando. A questão de aquisição de áreas, tanto para executar o próprio empreendimento quanto para realocar as pessoas, consome uma fábula de dinheiro.

Época – O dinheiro ainda não chegou?
Nascimento – Os acionistas já colocaram muito dinheiro para desenvolvermos uma série de atividades. Mas os gastos de maior vulto só fazemos depois de ter a licença. Sem isso, não conseguimos nem mesmo do nosso próprio banco, o BNDES, dinheiro para fazer tudo. O grande financiamento do empreendimento vai chegar em outubro. Por enquanto, estamos usando o dinheiro de um empréstimo ponte de R$ 1 bilhão com o BNDES. E o dos acionistas. Este recurso vai permitir tocar a obra sem nenhum prejuízo. Para fazer este empreendimento maravilhoso que já é um orgulho para nosso país.

Época – Por que Belo Monte é importante para o Brasil?
Nascimento – Se olharmos para o passado, há 50 anos, as indústrias automobilística, de cigarro e de bebida sustentavam a econômica do Brasil. Hoje temos uma base diversificada. Se tivermos energia barata no futuro, um insumo extraordinário para muitas atividades, nosso país vai ter grande vantagem competitiva.
Época – Belo Monte, no projeto inicial, era parte de um conjunto maior de obras. As usinas previstas para o trecho acima regulariam o fluxo o rio, aumentando o potencial de geração da hidrelétrica. Elas ainda podem sair do papel?
Nascimento – O Conselho Nacional de Política Energética é um órgão constituído de 14 membros, 11 deles ministros de Estados. Quando uma proposta dessas é aprovada pelo conselho, inclusive pelo presidente da república, é uma decisão num nível muito elevado. Dificilmente muda. No horizonte que enxergamos hoje, não deslumbramos nenhuma possibilidade de outras usinas à montante de Belo Monte. O Brasil optou por construir somente usinas fio d’água [uma tecnologia que permite a redução do tamanho dos reservatórios, ou seja, da área alagada]. Na minha opinião, essa decisão de construir usinas estritamente de fio d’água é altamente nociva aos interesses nocivas aos interesses futuros do país.

Época – O senhor defende a construção de usinas com grandes reservatórios na Amazônia?
Nascimento – Construir usinas com reservatórios maiores, não diria grandes. E procurar compensar as populações que moram ali. Mitigar os efeitos. Mas, do ponto de vista energético, isto é muito importante para o país. Vai chegar um momento em que terá de se ter outra percepção para este problema.

Época – Com o barramento do rio, o trecho conhecido como Volta Grande do Xingu vai ter seu volume reduzido em 100 km? O que vai acontecer com as pessoas do entorno?
Nascimento – Aquela região do rio, na época do verão [a seca amazônica], fica com uma vazão muito baixa. Aquelas populações já vêm sofrendo periodicamente com as secas mais severas. Os estudos ambientais exigem que nós deixemos no mínimo 700 metros cúbicos de vazão. É praticamente o dobro do que a natureza já faz naquela região. Não vamos fazer nada pior.
Época – Mas as secas naturais só ocorrem na metade do ano. Com a obra, o trecho vai ficar seco o ano todo...
Nascimento – Sim, a vazão é perene. Metade do ano enche. Agora, o que vamos fazer naquela região? Vários programas. Tem um elenco grande de programas... De piscicultura. Programas socioambientais. Nenhuma população indígena vai ser removida. As comunidades ribeirinhas todas foram identificadas. À medida que sentirmos os efeitos do barramento, vamos analisar a situação de cada família. Pode ser que essas pessoas, no período de seca, fiquem numa distância não tão conveniente da água. Tudo vai ser discutido com eles. O que temos de ter em mente é: quando a gente lha o número de pessoas atingidas, isso representa um contingente populacional muito pequeno em relação ao grande benefício deste empreendimento. O interesse público está acima desta questão. Não que a gente vai tratar essas pessoas com desdém. Mas o interesse maior da coletividade é ó que deve permanecer.

Época – O Ministério Público diz que o cumprimento das condicionantes de Belo Monte, uma exigência legal da licença de instalação, está atrasado. Como anda este cronograma?
Nascimento – Hoje nós temos quase cem obras naquela região, com investimentos previstos na ordem de R$ 110 milhões, dos quais 70% já efetivamos. Agora, quando você chega numa região assim, tem de cumprir a lei. Para isso, preciso primeiro contratar especialistas para adequar água, saneamento, drenagem. Posteriormente, tenho de entregar esses planos todos para as prefeituras. Antes disso, tenho de estabelecer os planos com os gestores para ver se eles estão de acordo com os interesses. Mas as próprias prefeituras não têm gente especializada para avaliar.

Época – O senhor está dizendo que, por causa da burocracia, o cumprimento das condicionantes está atrasado?
Nascimento – Nestas áreas mais críticas, que envolvem as questões mais complexas, é uma complicação aprovar, por exemplo, um aterro sanitário. É difícil em São Paulo, no Rio de Janeiro... Imagina lá. Não é um trâmite que você estala o dedo e fica pronto. Nós temos de entender o que é nosso país. Não é que o empreendedor não quer fazer ou não vai fazer. Mas não depende só dele.

Época – Quantas do total de condicionantes foram cumpridas?
Nascimento – Todas as obras sobre as quais falei estão ligadas às condicionantes. As que temos mais dificuldade são as de saneamento. As questões envolvidas são complexas. Eu não posso fazer algo sem que o município me autorize. Ao todo, temos 23 condicionantes e 72 observações para serem incorporadas no Plano Básico Ambiental. Eu lhe diria que, das condicionantes pactuadas, sem contar as obras de saneamento e aterro, todas estão em andamento. A grande maioria delas está concluída ou com conclusão prevista para outubro. Sem impactar no sistema educacional. Ou no de saúde. Até outubro, entregaremos as escolas e os hospitais. O saneamento é impossível terminar até o final do ano.

Época – O que a Norte Energia quer deixar para Altamira?
Nascimento – Um dia, quando fomos receber a outorga deste empreendimento no Palácio do Planalto, transmiti o seguinte: nós da Norte Energia esperamos que, no futuro, o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma tenham certeza de que todas as decisões tomadas para a região de Altamira foram acertadas. Nós não estamos sozinhos nesta empreitada. É uma empreitada de muitas e muitas mãos. Vamos ter dois momentos para aquela região. Antes e depois de Belo Monte.

Época – Qual é sua trajetória no setor elétrico?
Nascimento – Comecei como estagiário nas Centrais Elétricas do Pará. Trabalhei na Eletronorte nos anos 80, o período da redemocratização do Brasil. Eu era diretor de suprimentos. Ajudei a construir as hidrelétricas de Balbina e Tucuruí. Trazia equipamentos da França. Era uma operação complicada. O país não propiciava a logística que temos hoje. Não tínhamos internet, fibra ótica. Era difícil ter controle da situação.

Época – Construir Belo Monte então é fichinha para o senhor?
Nascimento – Sempre precisa de humildade. A gente tem de pedir as bênçãos de Deus a cada milissegundo. É um desafio grande. Mas isso faz com que, a cada dia, eu me sinta mais jovem.
Época – Qual é a lógica econômica de construir uma usina cuja energia média assegurada é relativamente baixa [cerca de 4.000 MW], com custos econômicos e socioambientais altos?
Nascimento – A usina de Belo Monte, no período de chuvas na região, vai produzir muita energia num momento em que as outras usinas do país vão produzir pouca. É uma questão de clima e geografia. Pela metodologia que temos, a energia comercializada nos dará uma rentabilidade muito grande. Se não desse, esses 18 empreendedores sócios não colocariam dinheiro nisto. A rentabilidade tem de ser maior que as oportunidades alternativas. E, principalmente, precisam ter garantia no longo prazo. O empreendimento tem taxas de riscos das mais baixas praticadas nos últimos anos no país. Não estamos visualizando nenhum problema maior na construção. É difícil? É, pela sua grandeza. Mas a engenharia nacional já demonstrou que é capaz. Posso te garantir que, até o momento, quem colocou o dinheirinho para construir Belo Monte está rindo para as paredes. Estão todos satisfeitos, graças a Deus.

Um belo monte de conflitos - REVISTA ÉPOCA

07/11/2009 - 02:25 - Atualizado em 08/11/2009 - 08:51
Um belo monte de conflitos

Um documento do governo federal mostra que 47 obras do PAC afetam territórios indígenas – e podem ser interrompidas
Juliana Arini
Marizilda Cruppe
É GUERRA
Índios reunidos em aldeia em Mato Grosso protestam contra a construção da usina de Belo Monte, no Pará. Eles ameaçam atacar os operários da obra

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a maior vitrine do governo Lula para a eleição de 2010, é assunto comum em Brasília. A avaliação de seu andamento é divulgada periodicamente e gera discussões entre governo e oposição no Congresso. Na semana passada, o PAC foi assunto também na aldeia Piaraçu, na reserva Capoto-Jarina, em Mato Grosso. Cerca de 250 líderes indígenas de 14 etnias se encontraram para falar sobre o PAC. Mais especificamente, eles discutiram a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, uma das obras mais vistosas do programa.

A conversa foi pacífica, mas a decisão dos índios foi lançar gritos de guerra e ameaças à obra. “O governo vai ser responsável pelos danos aos operários e indígenas”, diz a carta assinada por caciques como Raoni e Megaron, da etnia caiapó, enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, os índios também estabeleceram suas estratégias para impedir o leilão que vai definir as empresas responsáveis pela construção da hidrelétrica, marcado para o dia 21 de dezembro.

A hidrelétrica de Belo Monte é uma obra grandiosa, que envolve a construção de um desvio no curso do Rio Xingu e pode custar até R$ 30 bilhões. Quando pronta, ela será a maior hidrelétrica puramente nacional, com capacidade de gerar 11.200 megawatts de energia, o equivalente a 10% da produção elétrica nacional atual. Mas, para isso se realizar, a obra vai afetar o território de dez nações indígenas (leia o quadro na próxima pág.) . A mobilização da semana passada é uma das primeiras reações a essa interferência. E está longe de ser única. Um levantamento feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela Casa Civil, obtido com exclusividade por ÉPOCA, mostra que pelo menos 47 obras do PAC em 16 Estados devem enfrentar barreiras na questão indígena (leia o quadro na próxima pág.) . Entre elas estão estradas, hidrelétricas, ferrovias, gasodutos e linhas de transmissão de energia. Algumas das principais obras do programa, como as usinas hidrelétricas do Jirau, em Rondônia, e do Estreito, no Maranhão, a BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, e o gasoduto São Paulo-Rio de Janeiro, poderão atrasar devido a possíveis conflitos com os índios.

Em um país onde 12,4% do território pertence a terras indígenas, esse tipo de conflito já gerou o embargo de projetos. Provocou também várias ações extremas como invasões a canteiros de obra e sequestro de operários. Há um ano, índios da etnia enáuenê-nauê incendiaram máquinas e fizeram reféns os operários da construção das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) do Rio Juruena, em Mato Grosso. Eles protestavam contra os planos da Maggi Energia, empresa da família do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, de ampliar de sete para mais de uma dúzia o número de pequenas centrais a ser construídas no rio onde pescam.

Até agora, os maiores obstáculos ao avanço do PAC eram problemas operacionais, a falta de licenças ambientais e os embargos do Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeitas de irregularidades. A questão indígena é um novo obstáculo, que esbarra na falta de estrutura para ser solucionado. A Casa Civil gerencia o PAC por meio de grupos técnicos que acompanham as obras junto com os ministérios envolvidos. Na divisão de trabalho no governo, a questão indígena é de responsabilidade da Funai, que faz parte desses grupos técnicos. Na Funai, uma equipe de 12 antropólogos é encarregada de acompanhar todas as 47 obras do PAC que estão em conflito com terras indígenas. A Funai diz que a falta de mão de obra atrapalha esses processos e que está passando por uma reestruturação. Há 15 anos, havia 5 mil servidores no órgão. Hoje, são 2 mil – num momento em que a população indígena cresce a cada ano. Concursos estão previstos para preencher esse déficit.

O caso de Belo Monte mostra como pode nascer um conflito. A fúria dos índios foi supostamente inflamada por uma declaração do ministro de Minas e Energia, Édison Lobão. “Forças demoníacas puxam o país para baixo, impedindo que haja avanço”, disse Lobão. Outro elemento negativo foi um parecer da Funai favorável ao licenciamento ambiental do projeto. Os índios e integrantes de movimentos sociais acusam a Funai de traição. Eles afirmam que funcionários da Funai estiveram na área para discutir o projeto da usina, mas teriam dito que as conversas eram informais. “Os técnicos afirmaram que as reuniões nas aldeias não eram uma consulta oficial”, diz dom Erwin Krautler, bispo da Prelazia do Xingu em Altamira e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Depois, lançaram o parecer técnico alegando que os índios foram todos consultados.” Dom Erwin também enviou uma carta ao presidente Lula, em que faz um apelo para que o projeto não seja leiloado sem um debate mais amplo. “Estive em julho com o Lula. Ele me prometeu que o diálogo ia continuar e que em momento algum iriam empurrar esse projeto goela abaixo”, diz Erwin.
Hidrelétricas, rodovias, ferrovias e gasodutos estão
entre as obras que podem ser afetadas

Assim como muitos dos projetos incluídos no PAC, o conflito de índios com o projeto da usina de Belo Monte não começou no governo Lula. Em 1989, quando o projeto foi discutido pela primeira vez, os índios conseguiram o embargo da obra. A cena da índia caiapó Tuíra empunhando um facão contra o pescoço de um engenheiro s da Eletronorte virou símbolo da luta contra o projeto. A cena se repetiu em 2008. Durante uma reunião em Altamira, no Pará, o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi ferido no braço pelos índios com um facão. O que torna a hidrelétrica de Belo Monte tão polêmica são as dúvidas e suspeitas que cercam sua construção. Ninguém sabe ao certo qual será o impacto da hidrelétrica. Para construir um desvio no Rio Xingu, as empreiteiras devem remover uma quantidade de terra semelhante ao volume do Canal do Panamá, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico, uma das maiores obras de engenharia do século XX.

Os estudos de impacto ambiental sugerem a necessidade de um monitoramento futuro para determinar como ficará a região da Volta Grande do Rio Xingu após a construção da hidrelétrica. Em uma obra em que todos os números são gigantescos é difícil imaginar que o impacto será pequeno. A complexidade de um projeto para gerar energia no coração da Amazônia é refletida no tamanho dos estudos de impacto ambiental: são 20 mil páginas distribuídas em 36 volumes. Apesar do tamanho, alguns cientistas consideram o relatório de Belo Monte impreciso. “Entre os assuntos tratados com evidente deficiência estão a emissão de gases do efeito estufa (metano) , os impactos de inundação dentro da cidade de Altamira e a suficiência da vazão do rio para os peixes na região da Volta Grande do Xingu”, afirma Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, um dos cientistas que integraram um painel de 40 especialistas que analisaram os estudos da hidrelétrica. Especialistas afirmam também que o relatório ficou disponível para consulta pública por dois meses. Eles consideram esse tempo insuficiente para examinar um assunto tão complexo.

REVISTA ÉPOCA - Os nômades de Belo Monte

REVISTA EPOCA - 09/07/2011 - 09:35 - Atualizado em 09/07/2011 - 09:35
Os nômades de Belo Monte

A história dos migrantes atraídos pela terceira maior hidrelétrica do mundo. E o drama dos moradores que deixam o sossego de suas casas para dar lugar aos canteiros de obras da usina
Aline Ribeiro (texto) e Filipe Redondo (fotos), de Altamira - Filipe Redondo / ÉPOCA
OS SEM-PALAFITA
O garoto Rafael em frente ao quarto alugado onde mora com a família. Com a obra, o local vai ficar embaixo d’água

O vaivém de carros na estrada que liga as cidades de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, ficou mais intenso no último 9 de junho. Naquela noite, à beira do asfalto, o empreendedor Adão Rodrigues inaugurava mais um de seus negócios itinerantes. A faixa na entrada da casa lhe parecia clara o suficiente: “Estreia hoje a Boate da Noite”. Nem todo mundo, entretanto, entendeu do que se tratava. Afoitos com a novidade, muitos dos frequentadores chegaram acompanhados de suas mulheres. Só quando avançavam pelo portão notavam que aquela não era uma balada qualquer, e sim o novo bordel da cidade. Os casais permaneceram com a devida autorização do dono. A restrição mesmo veio por parte dos namorados ou maridos, que tapavam com as mãos os olhos de suas respectivas no clímax da noite, o striptease das princesas da casa. O pecado de Adão Rodrigues, nesse caso, foi tropeçar no linguajar regional. Paranaense de nascimento, ele não reparou que no Norte do Brasil prostíbulo se chama brega. Boates lá são sinônimos de danceteria, onde as companheiras de vida são bem-vindas.

Filipe Redondo / ÉPOCA
DIVERSÃO GARANTIDA
À esquerda, o empresário Adão Rodrigues com a família em sua nova casa em Altamira. À direita, a prostituta M. durante um striptease na Boate da Noite. Eles migraram para o Pará com um objetivo comum: ganhar dinheiro com a chegada dos homens atraídos pela usina de Belo Monte

O engano de Rodrigues ilustra o choque cultural (e social) entre a população nativa e os migrantes atraídos pela maior obra de infraestrutura do Brasil. Altamira, além de acolher a Boate da Noite e ter o título de maior município do mundo (sua área é superior à de Portugal ou da Áustria), é palco da construção da usina de Belo Monte. Trata-se do principal investimento do governo federal, emperrado por pelo menos três décadas sob acusações de ameaçar o Rio Xingu, os índios e os ribeirinhos. No começo de junho, o empreendimento – que deve ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás de Três Gargantas, na China, e de Itaipu – recebeu sua licença de instalação. O aval liberou a ocupação dos canteiros de obras. Começam agora a chegar à cidade as máquinas parrudas. Junto com trabalhadores e comerciantes visionários.

O município, com uma população estimada em 100 mil pessoas, já recebeu 20 mil desde o anúncio da obra. A revolução em Altamira está só começando. No pico da construção, previsto para 2013, em torno de 19 mil barrageiros serão contratados. Com eles, chegarão mais famílias, comerciantes, potenciais funcionários de empresas periféricas que servem a obra. À rodoviária ou aos aeroportos, homens e mulheres chegam – inclusive de outros países – à procura de emprego. Dezenas de trabalhadores viajam diariamente para a região de Altamira em busca de oportunidades – frequentemente ilusórias. Segundo estimativas, a cidade pode ganhar mais 80 mil habitantes no auge da obra. O fluxo lembra outros fenômenos amazônicos, como a corrida do ouro, que nos anos 1980 chegou a atrair 100 mil garimpeiros para Serra Pelada, deixando um rastro de destruição, violência e pobreza. Agora, a 610 quilômetros ao norte, em Altamira, uma nova invasão se anuncia. E, apesar dos anos de planejamento de Belo Monte, a região não parece preparada para recebê-la.

Rodrigues e a família aportaram há três meses em Altamira, depois de 1.800 quilômetros de terra pela Transamazônica, 158 pontes de madeira enjambradas (contadas pela mulher, Solide Fatima Triques) e um pedágio pago a um líder indígena. Aos deslocamentos populacionais puxados pelas obras de engenharia, os responsáveis pelo lazer chegam primeiro. Rodrigues tem um currículo robusto no que diz respeito a entreter os trabalhadores das barragens, os chamados barrageiros. Começou operando máquinas no canteiro de obras, mas logo descobriu que a atividade paralela dava mais dinheiro. Agora, faz casas noturnas perto das usinas. Ele diz que já fez as malas pelo menos 14 vezes no decorrer de seus 50 anos, atrás das hidrelétricas. “Não tenho apego a bens, encaro tudo como uma aventura”, diz. Em sua última viagem, deixou seu cabaré ao lado da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, para tocar um negócio mais promissor em Belo Monte. É o mesmo roteiro seguido agora por seus clientes. Rodrigues pretende abrir outros dois prostíbulos e dois hotéis ao lado da usina. “Vamos ganhar dinheiro com esta obra por pelo menos dez anos”, afirma.
Filipe Redondo / ÉPOCA
DE PAI PARA FILHO
O barrageiro Divino Junior em Altamira. Ele e sete irmãos seguiram o ofício do pai: construir as grandes obras

Os sinais de oportunidade em Belo Monte repercutem longe. A prostituta M. teve notícia do frenesi econômico a mais de 4.500 quilômetros de Altamira. Até maio passado, ela vivia do Paraná. Lá, uma colega comentou sobre as vantagens de trabalhar próximo às construções. Também garota de programa, a moça havia acabado de voltar com dinheiro de Rondônia, mais precisamente dos quartinhos do antigo cabaré de Rodrigues. “Ofereci R$ 200 para quem conseguisse o novo telefone do dono da boate”, diz M. Em uma tarde de descanso na Boate da Noite, ela interrompe a troca de esmalte da mão (“por um azul que está usando muito”) para pontuar as diferenças da clientela paraense: “Os homens aqui são mais brutos, chegam a ser agressivos. Mas eu vim para cá atrás de dinheiro, não dá para ficar com frescura”. Com o dinheiro, M. quer comprar uma casa para viver com seus dois meninos, de 6 e 7 anos, segundo ela, roubados pelo ex-marido depois da separação.

Existem dinastias especializadas em seguir as grandes obras. Como a do barrageiro Divino Junior, de 31 anos. Ele tem 16 anos de experiência em carteira na construção de hidrelétricas. Diz que seu pai sempre trabalhou construindo usinas e passou o ofício para oito dos dez filhos, inclusive as mulheres. “Filho de barrageiro é criado no mundo”, afirma Junior. “Cada um de meus irmãos está em um Estado diferente. A gente só reúne a família quando coincide de trabalhar num mesmo lugar.” Junior chegou a Altamira junto com dois amigos barrageiros no começo de março. Deixou um salário bruto de R$ 9 mil na hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, e seguiu de carro pela Transamazônica numa viagem de quatro dias. A troca faz sentido no longo prazo: a obra de Jirau deverá acabar em 2016, a de Belo Monte vai durar até 2019. Mas Junior ainda não foi contratado. Das 11 barragens que já ajudou a erguer, guarda as lições do submundo das usinas. “Dentro dos alojamentos, você tem de ver e fingir que é cego. Ouvir e fingir que é surdo”, diz. Junior conta que em Jirau, divisa com a Bolívia, toda semana um ou outro trabalhador vai até o país vizinho para comprar ilegalmente a “ponta 40”, uma pistola de uso militar. Muitos dos contratados pelas empreiteiras são ex-presidiários. É um incentivo à reinserção na sociedade. Porém, parte deles acaba em atividades ilícitas, principalmente no tráfico de drogas. “Eu era chefe de um ex-presidiário que traficava na obra. Quando quis demitir, ele me ameaçou de morte”, afirma. “Só nas hidrelétricas de Rondônia vi morrer uns 30.”

A experiência de Junior mostra as perspectivas econômicas trazidas pela obra. Mas também que elas não se concretizam se a região estiver despreparada para transformar os investimentos em melhorias permanentes. Os sinais em Altamira são preocupantes. A começar a recepção aos migrantes. Muitos deles, sem condições mínimas para se manter, vão parar em abrigos municipais. Outros se empoleiram em palafitas alugadas, sem água encanada ou esgoto. Altamira, hoje, não comporta os recém-chegados. Para conseguir um hotel, é preciso ligar com mais de uma semana de antecedência. Encontrar um pé de alface a um preço acessível é um golpe de sorte. “O município não está preparado para receber este empreendimento”, diz Odileida Sampaio, prefeita de Altamira pelo PSDB, enquanto arruma os bobes do cabelo. “Precisamos de desenvolvimento. Caso contrário, em dez anos as pessoas vão pegar suas malas e ir embora. Deixando só os impactos aqui.”

Se durante o dia Altamira tem o agito de um novo polo migratório, quando a noite chega ela é tomada por uma tensão velada, especialmente nos bairros mais pobres. Na madrugada, só gatos e cachorros perambulam pelas ruas. Há notícias de traficantes assassinados toda semana. O crack e o óxi (uma droga mais destruidora) se disseminam rapidamente. “De fevereiro para cá, quando as pessoas começaram de fato a chegar, a criminalidade dobrou”, afirma Cristiano do Nascimento, superintendente da Polícia Civil. Os reflexos na saúde s também já são sentidos. O número de internações e atendimentos em postos médicos aumentou. A solução seria preparar a cidade para o novo contingente. Mas há um descompasso entre a chegada de recursos para sanar os problemas socioambientais e o início do empreendimento. “Você só pode adquirir financiamento depois que todas as licenças ambientais saírem”, afirma Carlos Nascimento, presidente da Norte Energia, responsável pela obra. “Até outubro, quando deverá ser liberado o aporte maior do banco, vamos usar o dinheiro dos investidores para reduzir os impactos.”
Filipe Redondo / ÉPOCA
MIGRAÇÃO FORÇADA
No sentido horário: enquanto as mulheres lavam roupa, um menino se refresca num afluente do Rio Xingu. O agricultor Antônio Sales, recém-indenizado pela usina, colhe o cacau. Tem medo de ser assaltado. E Maria Terezinha com a família durante uma pausa na limpeza do terreno recém-invadido. Todos eles deixarão suas casas para dar lugar à hidrelétrica

Enquanto muitos migram para a cidade em busca de uma vida abastada, milhares de moradores da cidade começam a fazer um movimento diferente: deixar suas casas para dar lugar à usina. Serão nômades por falta de opção. A hidrelétrica vai desapropriar 7.900 imóveis, entre rurais e urbanos. Até o começo de julho, só 159 haviam sido indenizados. As famílias terão de sair porque moram em locais que vão ser alagados pela represa. Ou em terrenos afetados pela obra. A comunicação precária entre a Norte Energia e os atingidos da barragem gera insegurança em Altamira. No mês passado, cerca de 2 mil famílias invadiram um terreno privado para consolidar uma ocupação irregular. Muitas para especular com a terra apropriada. Outras por medo do futuro. Maria Terezinha de Souza, de 49 anos, vive em uma palafita no bairro do Açaizal, que pode ser alagado por Belo Monte. Movida pela ambição de ter um lar seco e pela incerteza de seu destino, tirou seu foice do armário e partiu para picar o mato. Queria garantir um pedaço de chão. “Vi na televisão que o pessoal estava invadindo”, diz ela. “No outro dia de manhã, vim com a família toda.” Agora, Maria faz vigília para não perder seus cinco lotes recém-tomados.



Filipe Redondo / ÉPOCA
OS SEM-RIO
O agricultor José Alves navega com sua canoa a gás. Ele mora na Volta Grande do Xingu, um trecho do rio que pode secar

A notícia das transformações em Altamira chegou às tranquilas casas ribeirinhas, isoladas da cidade pelo rio. Ali, o único receio até então eram os rumores de onça rondando as criações. Agora a conversa mudou: fala-se em assalto, assassinato, drogas. O agricultor Antônio Sales, nascido há 57 anos e criado à beira do Rio Xingu, acaba de receber uma indenização para desocupar suas terras. Mesmo com insistência, ele não aceitou aparecer na foto da reportagem. Está com medo. O vizinho, também indenizado há pouco, foi assaltado em Altamira enquanto abastecia sua moto. “Cabra com dinheiro tem de ficar é longe da cidade”, afirma Sales. Até negociar sua indenização, ele nunca tinha lido um número tão grande acompanhado de cifrão. Leva uma vida simples, a da agricultura de subsistência, dos causos contados na porta de casa à luz do lampião. Os temores, supostamente trazidos pela usina, vão além dos ladrões. Sales está apreensivo com o futuro. “Se brincar um pouquinho, o dinheiro não dá nem para recuperar o que tenho”, diz, referindo-se a sua casa e aos 3 mil pés de cacau da propriedade, de onde tira o sustento das sete pessoas da família. “Eu não tenho profissão senão trabalhar. Preciso da terra para dar de comer.” Segundo Sales, a empresa não ofereceu auxílio para comprar um novo terreno.

Grandes obras como a usina Belo Monte são propulsoras de um movimento constante de vidas. Há os que chegam e os que saem. Outros não sabem se vão ou se ficam. É assim com o agricultor José Alves, de 59 anos, dono de um sítio em um trecho do rio chamado Volta Grande do Xingu. Como a obra vai desviar o curso natural do Xingu, cerca de 100 quilômetros do rio na Volta Grande terão redução drástica no volume de água. Os cientistas têm dúvidas de que será possível navegar naquele pedaço – o que mudaria a rotina dos milhares de pessoas, inclusive duas etnias indígenas. A empresa só considera afetadas pela construção as áreas alagadas do entorno. As regiões secas serão secundárias na redução de impactos. Alves se mantém na condição estática não somente por desconhecer se poderá percorrer o Xingu com seu barquinho. Mas também pela indefinição sobre sua moradia. Até agora, a Norte Energia não decidiu o que fazer com ele e os vizinhos. E Alves ainda não sabe se será, ou não, mais um migrante da usina de Belo Monte.



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Faculdade de Geografia aprova três projetos pelo Programa Navegasaberes*

A Faculdade de Geografia esta comemorando a aprovação de três projetos de Extensão no âmbito do Programa Navega Saberes, versão 2011, da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), Universidade Federal do Pará, os quais foram contemplados com Bolsas Auxílio para discentes de Geografia. No campus de Altamira, somente a Faculdade de Geografia teve propostas aprovadas.
Os projetos contemplados foram: Geo Xingu – O portal de Informação da Região do Xingu coordenado pela professora Msc. Luciana Martins; que tem por objetivo fornecer informações relevantes sobre a aspectos geográficos, socioeconômicos e serviços sobre Altamira e a região do Xingu, sendo de extrema importância para atual conjuntura ao preencher uma lacuna recorrente na região. O Jorge (Jornal da Geografia), coordenado pelo Prof. Msc. Luiz Fernando Roscoche, tem proporcionado conhecimento ao publico universitário e a comunidade com informações das mais variados áreas. O jornal além de sua versão impressa também tem seu conteúdo disponibilizado na internet no endereço: http://jorgedealtamira.blogspot.com/.
Vale ressaltar, que esse informativo tem sido distribuído de forma gratuita, através dos esforços de patrocinadores locais, dos docentes da FACGEO. Finalmente, o projeto Museu digital de áreas rurais de paisagens naturais e antrópicas das áreas diretamente afetadas pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte coordenado pela professora Msc. Rita Denize de Oliveira. O projeto tem por objetivo criar um acervo digital elementos naturais e antrópicos (em especial nas comunidades rurais impactadas pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte). A relevância da aprovação dos projetos reflete no maior envolvimento dos discentes com o curso de graduação, fortalecimento da pesquisa e extensão universitária, haja vista que a comunidade poderá consultar informações sobre Altamira e região, em site especifico; a equipe editorial do Jorge estará cada vez mais consolidada com o ingresso de bolsistas, culminando, certamente, em aumento qualitativo e quantitativo dos artigos e reportagens; e por fim, nos emocionaremos com a criação de um banco de dados de registro digital das praias, igarapés, formações rochosas e principalmente, do cotidiano das famílias dos colonos, ribeirinhos afetados pela construção do complexo Belo Monte, consequentemente fortalecendo cada vez mais o elo entre o Campus de Altamira e a comunidade.

*Prof. Msc. Rita Denise de Oliveira (Faculdade de Geografia).

A Escalada da Violência Agrária na Amazônia*

Nas últimas semanas, o assassinado de três assentados no município de Nova Ipixuna no Pará, e de uma liderança do MCC (Movimento Camponês Corumbiara), movimento que atua na divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, ilustrou mais uma vez a gravidade dos conflitos agrários na Amazônia. Tais conflitos, que culminaram com a morte desses trabalhadores, vêm ceifando a vida de pais e mães de famílias sistematicamente em nossa região. Essa escalada intensifica-se com as políticas de ocupação e integração regional implementadas pelo Estado na segunda metade do século passado. Essencialmente, a mola propulsora dessa violência agrária, noticiada pela mídia e vista por políticos com aparente espanto, foi acionada por essas políticas de estado. A partir daí, em nome do desenvolvimento e do progresso, a região torna-se um espaço de conflitos e de massacres, cujos desdobramentos não ecoam tanto quanto as possíveis vantagens dos projetos de modernização, progressivamente impostos.

Fonte da imagem: http://oolhodahistoria.blogspot.com/2011/06/raizes-da-violencia-na-amazonia.html

A falta de preocupação com a resolução desses conflitos é tão vergonhosa que, no caso da execução do casal de extrativistas em Nova Ipixuna, há tempos jurado de morte, o encaminhamento dado pela própria presidência foi autorizar a atuação da polícia federal nas investigações. Ao propalar essa medida, inclusive em função da visibilidade que tomou o caso, o Estado dá a impressão de que, com a possível prisão dos envolvidos no assassinato, tudo está resolvido, como se o crime fosse um crime comum, casual. Com isso, ignora o fato de que, por traz do referido assassinato e de muitos outros que não vêm tendo a mesma repercussão, existe um quadro de antagonismo que confronta, diariamente, agentes com diferentes maneiras de se apropriar da terra e dos recursos naturais na Amazônia.
Este quadro, criado pela ação e omissão do próprio Estado exige, igualmente, políticas públicas sérias que não apenas assente famílias sem terra, mas dê condições de infra-estrutura e de segurança para que essas famílias possam efetivamente produzir e se reproduzir, conforme seu modo de vida. A Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança não vão resolver os problemas agrários na Amazônia. Esses problemas são complexos e envolvem redes de interesses, em que as mortes de trabalhadores são apenas o resultado, a conseqüência, de processos ligados à grilagem de terra, ao desmatamento e, mais recentemente, à expansão desenfreada do agronegócio. Enquanto não se criarem mecanismos efetivos para limitar a atuação dos agentes econômicos que estão por traz desses processos, o massacre de trabalhadores rurais continuará aumentando as estatísticas da CPT e qualquer proposição do Estado não passará, simplesmente, de engodo político.

*Prof. Msc. José Antônio Magalhães Marinho (Faculdade de Geografia)

Belo Monte e as aves de rapina*

Quando se ouve falar de “rapinagem” a primeira conotação evidente é tomar para si o que é de outrem. Ave de rapina (que origina o termo) é geralmente metaforizada no contexto político quando diz respeito aos parlamentares desonestos ou, no contexto econômico, quando se refere aos oportunistas que se utilizam da boa fé de consumidores para usurpá-los. Não muito Longe disso, na verdade são aves que raptam, tomam para si pequenos animais com suas garras afiadas. Neste momento, o leitor deverá estar se perguntando: o que tem isso com Belo Monte? Por um acaso a construção da usina deverá atrair mais urubus ou corujas para a região? Não deixa de ser verdade e veremos por que.


É claro que não estamos tratando, literalmente, de animais. São sujeitos, alguns novos e outros antigos, já bem conhecidos. Tais indivíduos se aproveitam de Belo Monte e do o processo de usurpação orientado desde antes da conclusão dos estudos de impactos ambiental (EIA). No âmbito do interesse, obviamente estamos tratando de dinheiro, especialmente de 500 milhões referentes ao Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) e outros recursos que estão escondidos na “rebarba” do empreendimento.
A primeira parte deste montante, do PDRS Xingu, destinado a estimular o crescimento sustentável da região durante e após a construção da usina, deverá ser gerido por um Fórum composto por 16 representantes de várias instituições governamentais e não governamentais da região. A expectativa menos otimista é que haja uma severa divisão, ou melhor, uma pulverização desse recurso entre as diversas esferas de interesse, resultando em poucos benefícios para a região. No final, o que deveria ser um valor aplicado com finalidades em longo prazo, acaba se tornando um viés de ação política, emergencial e, em muitos casos, privado. O que se espera de positivo, então? Que o fórum gestor seja transparente, idôneo e não atravessado por questões de interesses individuais. Infelizmente a história nos mostra o contrário.
No que diz respeito às condicionantes de Belo Monte e ao processo de mitigação dos impactos, os que esperam uma grande transformação local devem ficar decepcionados. A maioria dos itens impostos pelo IBAMA são pontuais e relativos a problemas ambientais específicos, ou seja, quase nada possui implicações sociais relevantes em longo prazo.
Não muito longe de nós, estão a espreita outros usurpadores, são eles os especuladores imobiliários. Quanto a esse aspecto, até os que moram recentemente na cidade de Altamira sabem que os valores atribuídos ao terrenos e aluguéis têm aumentado assustadoramente. Diante disso, questiona-se para onde serão empurrados os novos moradores de Altamira, futuros remanescentes do processo de construção da usina?
Nesse contexto, paira outra grande dúvida por parte da população local: o que sobrará de Belo Monte para os que desejam melhoria em sua qualidade de vida? Ao que se percebe, antes de tomarmos consciência do que nos é devido, as aves de rapina farão seu trabalho, deixando ao nosso deleite uma carcaça fétida e inútil, gerada sob o discurso do desenvolvimento.

*Prof. José Queiro de Miranda Neto - Mestre em Geografia na área de concentração planejamento urbano e regional e professor assistente da UFPA, Campus de Altamira.

Técnicos da UFPA entram em Greve

Desde o dia 06 de junho os técnicos administrativos da UFPA entraram em greve seguindo a GREVE NACIONAL dos técnicos das universidades federais brasileiras.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino Superior no Estado do Pará (SINDTIFES), ‘’os servidores da UFPA e da UFRA já haviam aprovado o indicativo de greve em sua última assembleia, pois existia grande insatisfação da categoria diante da indisposição do governo Dilma em apresentar uma proposta sobre a pauta de reivindicações do funcionalismo federal’.
A greve foi aprovada por unanimidade pelos trabalhadores. A votação demonstrou mais uma vez que há disposição dos técnicos da UFPA e da UFRA em lutar por reajuste, contra o congelamento salarial (PL 549) e em defesa da valorização da carreira.
Desde o início da Campanha Salarial, os servidores da base do sindicato sempre se posicionaram a favor das paralisações e dos indicativos de greve. Nesse período foram realizadas paralisações vitoriosas na UFRA e no HUJBB, com adesões parciais na UFPA (Campus Guamá) e em alguns campi do interior como Abaetetuba e Castanhal.’’ Ainda segundo o SINDTIFES, (em oficio n° 06/11 de 03 de junho de 2011) na pauta de suas reivindicações estão:

- Reajuste salarial piso 3 sm e step 5%;
- Racionalização de cargos;
- Reposicionamento aposentados (mudança na lei 11.091);
- Mudança no anexo IV (Incentivos de Qualificação);
- Devolução do VBC absorvido (mudança da lei 11.091);
- Isonomia salarial e de benefícios (auxilio-alimentação);
- Retirada da PL 549/2009;
- Regime de 30 horas semanais sem redução salarial;
- Espaço fisico e infra-estrutura para CIS (salas);
- Reunião da Comissão Partidária dos Trabalhadores Findacionais, no Prédio da Fadesp, com a presença das direções os Hu’s, Fadesp e Sindtifes/Pa;
- Atendimento da pauta da Campanha salarial dos trabalhadores fundacionais.

Segundo a técnica administrativa da UFPA, Rhoberta Santana do Araujo, negociações estão sendo realizadas e espera-se que até agosto a situação seja resolvida.

FATOS EM FOTOS

Muitos obstáculos dificultam o transito de pedestres e motoristas no centro de Altamira. Esses obstáculos podem provocar graves acidentes. Para facilitar o trabalho das autoridades competentes deixamos aqui o embasamento legal dessas infrações. O artigo 245 do Código Brasileiro de Trânsito proíbe a utilização da via para depósito de mercadorias, materiais ou equipamentos, sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via. A infração é considerada grave e passível de multa. O artigo 246 também considera uma irregularidade “obstaculizar a via indevidamente”, uma infração considerada gravíssima sendo que “a penalidade deve ser aplicada à pessoa física ou jurídica responsável pela obstrução, devendo a autoridade com circunscrição sobre a via providenciar a sinalização de emergência, às expensas do responsável, ou, se possível, promover a desobstrução.”Cabe lembrar que no artigo 26 do Código Brasileiro de Trânsito diz que os usuários das vias não devem “obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo”.

RAPIDINHAS

RAPIDINHAS

Centenário... 100 ter nada
Passados 100 anos, algumas coisas ficam 100 fazer sentido. 100 água tratada; 100 coleta de esgoto por rede geral; quase 100 sistema de saúde; 100 transporte público urbano, enfim, 100 condições de uma vida digna como preconiza a constituição brasileira.

Preços subindo!
Os primeiros impactos da construção da Usina Belo Monte já estão acontecendo, com o aumento dos preços dos terrenos, casas e apartamentos. Os aumentos começam a serem sentidos também no comércio em geral e na ‘’prestação’’ de serviços.

Sonegação fiscal
Não é raro realizarmos compras no comércio da cidade e sair sem nenhuma nota fiscal em mãos. Esse tipo de prática geralmente pode estar associada a prática de sonegação fiscal por parte dos empresários. Para coibir tais práticas, muitas prefeituras do país, realizam campanhas onde a população pode trocar as notas fiscais de suas compras por cupons para concorrer a prêmios, elevando consideravelmente a arrecadação dos municípios. A pena para quem não fornece nota fiscal pode ser a a reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) e multa conforme a lei 8137 (27/12/1990).

Especialistas vão ao campo e discutem a Conservação do Tabuleiro do Embaubal*

O Centro de Conservação da Natureza (CNX), da UFPA, realizou no dia 06 de
junho um Workshop intitulado: Alternativas para Conservação do Tabuleiro do Embaubal. Durante o evento um dos pontos
centrais de discussão foi sobre a criação de uma Unidade de Conservação de Uso
Sustentável no local. De acordo com a maioria dos participantes do Workshop pelas experiências existentes, as unidades de conservação de proteção integral não são interessantes, obtendo-se um maior êxito nas UC's que têm as comunidades tradicionais inseridas, pois as mesmas contribuem para o processo de conservação e manejo.
Nos dias 07 e 08, pesquisadores,
professores da UFPA, representantes do IBAMA, da SEMA e da Secretaria de
Meio Ambiente de Senador José Porfirio, realizam trabalhos de campo no Tabuleiro do Embaubal e arredores que teve como principais objetivos: a verificação in loco de informações levantadas durante a reunião no campus de Altamira da UFPA, a atualização de informações, principalmente quanto ao grau de ocupação humana em áreas adjacentes ou mesmo sobrepostas a alvos de conservação, detalhamento do mapa construído com base na expedição prévia, incluindo reconhecimento de mais alvos de conservação, populações tradicionais e ameaças, bem como a ampliação das oportunidades para diálogo entre representantes de diferentes instituições sobre temas relacionados com a conservação do Tabuleiro do Embaubal.
Os pesquisadores visitaram as áreas e as possíveis rotas realizadas pelos
quelônios na região, bem como pontos de concentração de outros animais, como o boto e o peixe boi. Os participantes discutiram sobre as pesquisas científicas já
em execução e outras que ainda devem acontecer, por exemplo, o estudo
da dinâmica hidrológica do rio e de sua capacidade de carregamento de
sedimento. Tal estudo é fundamental para compreender o processo de
formação das praias onde os quelônios depositam seus ovos.
Um outro estudo será realizado pelo prof. Dr. Juarez Pezzuti (NAEA-UFPA),
que colocará chips de rastreamento em tartarugas para descobrir suas rotas
depois da desova e assim entender um pouco mais sobre o comportamento
desses animais.
Os pesquisadores tiveram a oportunidade de presenciar algumas atividades de subsistência da comunidade local como a pesca e a criação de bois e
búfalos. Próximo a uma das escolas da região, a equipe pode visitar um sambaqui (que em tupi significa um monte de conchas), onde encontraram partes de cerâmicas indígenas.

*Prof. Msc. Luiz Fernando Roscoche (UFPA-FACGEO)
*Msc. Janaina Melo Oliveira - Secretária executiva do Centro de Conservação da Natureza da Bacia do Xingu - CNX

Infância, diversidade cultural e grandes projetos*

A situação da infância (incluindo a adolescência) na região do rio Xingu envolve necessariamente a discussão sobre a diversidade cultural, haja vista a intensa presença de povos e comunidades tradicionais, mas também das desigualdades e vulnerabilizações definidas a partir de contexto de violações de direitos humanos que têm, no cenário de possível implementação da UHE Belo Monte, conjuntura propícia para o acirramento das violências.
Tais assuntos foram tratados no curso de formação “Crianças e Adolescentes: diversidade, desigualdade e direitos”, ação promovida pelo programa de extensão “Assessoria Interdisciplinar e Intercultural de Direitos Humanos” (AIDH), no período de 6 a 8 de maio do corrente ano, com os participantes sendo, na sua maioria, conselheiros tutelares e de direitos dos municípios de Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Vitória do Xingu.
Quando se trabalha a infância e seus respectivos direitos humanos a partir da diversidade cultural é preciso definir que as concepções de infância variam conforme os grupos sociais e as constituições culturais específicas, sendo que os direitos humanos das crianças – em especial a Convenção dos Direitos da Criança (1989), a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/Lei N. 9.069/90) – recepcionaram apenas um modo de conceber a infância, aquele que a coloca no marcador cronológico que vai até os 18 anos. No entanto, entre os povos indígenas, por exemplo, os ritos de passagem das crianças ocorrem entre os 7 e 15 anos de idade e a tornam, no final do ritual,


jovens adultos, o que coloca o paradoxo de serem adultas na aldeia, mas ainda crianças para a sociedade nacional.
Assim, é necessário compreender que a diversidade cultural do “ser criança” implica na própria relativização do que as normas jurídicas instituíram como “ser criança”, não apenas no sentido cronológico, mas na disputa de conceitos como trabalho infantil, educação, lazer e ato infracional, entre outros, pois povos e comunidades tradicionais possuem modos diferenciados de concebê-los e temos de controlar nossos preconceitos na hora de analisamos e intervirmos, além de levar em consideração os direitos coletivos que os mesmos possuem, sobretudo em relação ao direito à consulta – serem consultados antes de qualquer ação externa – e à autodeterminação – terem respeitados os domínios próprios de compreensão da infância.
Por outro lado, as condições sociais das crianças na região do rio Xingu foram debatidas durante o curso de formação. Entre outras coisas, ficou nítido o aumento do número de pessoas que solicitam atendimento do Conselho Tutelar de Altamira, o que está diretamente relacionado com o aumento da migração decorrente da possibilidade de implantação da UHE Belo Monte. Além da necessidade de construção de outro Conselho Tutelar na cidade de Altamira, problemas ligados à exploração sexual, ao trabalho infantil, à educação e ao ato infracional, entre outros, foram relatados pelos participantes do curso de formação e resultaram na elaboração da “Carta aberta à sociedade e às autoridades públicas sobre a condição da criança, do adolescente e do jovem”, com demandas que visam à criação ou melhoria de políticas públicas voltadas para a educação, saúde, lazer, profissionalização e fortalecimento da rede de atendimento.

* Prof. Assis Oliveira - Faculdade de Etnodesenvolvimento da UFPA - E-mail: assisdco@ufpa.br

I Seminário Meio Ambiente Sustentabilidade e Gênero: olhares e práticas no cotidiano das mulheres*

Aconteceu nos dias 02 e 03 de junho de do auditório do Campus Universitário de Altamira, como atividade do projeto de extensão coordenado pela Profª Dr.ª Maria Ivonete Coutinho da Silva (UFPA), o I Seminário Meio Ambiente Sustentabilidade e Gênero: olhares e práticas no cotidiano das mulheres, . O objetivo do evento foi abordar a questão ambiental a partir das práticas e valores que permeiam o cotidiano das mulheres seja no contexto urbano ou rural, considerando que a participação das mulheres neste cenário se configura como elemento fundamental, visto que suas atividades no campo da produção agrícola, bem como nas tarefas cotidianas do espaço doméstico demonstram a capacidade e habilidade para lidar com a questão ambiental de maneira mais sensível e responsável.
Estiveram presentes no seminário representantes das Secretarias Municipais, Secretarias de Estado, além de alunos e professores da UFPA, UEPA (Universidade Estadual do Pará) e IFPA (Instituto Federal de Educação do Pará). Também se fizeram presentes mulheres representantes das organizações sociais e de setores governamentais ligados a questão ambiental. Na pauta de discussões do evento a profa. Msc. Andréia Barreto abordou o tema: '' Sustentabilidade no Brasil: Direito de todos''. Já a profa. Msc. Silvia Maia discorreu sobre o papel da mulher na economia brasileira, analisando de modo mais específico as experiências economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis. A discussão da mulher diante dos modelos de desenvolvimento social foi o tema da palestra da profa. Drª Maria Ivonete Coutinho.
Os participantes avaliaram que o evento promoveu um produtivo debate, de modo que propuseram dar continuidade a esta discussão com uma ação conjunta entre os setores que atuam diretamente com a questão ambiental na região e as organizações de mulheres. Na ocasião foi formada uma comissão com as representações dos seguintes órgãos: SEMA, SEMAT, EMATER, MMTC/C e a coordenadora do projeto a fim de desenvolver atividades que possam proporcionar o debate político sobre a questão ambiental e o desenvolvimento sustentável. A coordenação avalia que este ‘’é um debate que perpassa por dois processos fundamentais: a conscientização de cada cidadão/cidadã e a educação - processos nos quais a mulher desempenha papel fundamental e de relevante contribuição social.

* Profa. Drª Maria Ivonete Coutinho- Faculdade de Letras