sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Comentários sobre uma relação que caminha para o lixo

Comentários sobre uma relação que caminha para o lixo
Prof. Msc. José Antônio Magalhães Marinho*
A relação a que me refiro aqui é a relação da cidade de Altamira com o rio Xingu. Não se trata, desta forma, de nenhum caso passageiro, mas, sim, de uma relação secular, em que a imagem de um, progressivamente, passa a se confundir com a outro. Surgida às proximidades da antiga aldeia-missão Tavaquara, Altamira tem sua história profundamente imbricada ao processo de conquista e ocupação econômica do vale do Xingu, no qual se notabilizou como uma espécie de porta de entrada e saída de mercadorias e produtos regionais. Desempenhando esta função ainda hoje, apesar do advento da Transamazônica, Altamira pode ser vista como uma legítima filha do Xingu, rio que, como um bom pai, vem lhe agraciando, historicamente, não só com sua beleza paisagística única, mas também com os seus diversificados recursos naturais.
Contudo, uma caminhada mais atenta em alguns espaços onde a cidade encontra o rio dá-nos a impressão de que essa relação paternal anda estremecida. Um primeiro sintoma desta crise, apesar de sutil, está na disposição espacial dos assentos públicos no cais. Provavelmente o lugar mais visitado da cidade, o cais, praticamente em toda sua extensão, não dispõe de um banquinho voltada para o rio. Todos estão de frente para a rua. Desta maneira, durante o dia, só é possível contemplar o rio, ficando em pé ao lado da proteção de concreto limítrofe do cais, ou deslocando-se para sua extremidade próxima ao Campus da UFPA, onde existe uma espécie de trapiche, cuja estrutura permite até certo contato com a água. Mas, à noite, nem isto é possível. Não existem lâmpadas voltadas para o Xingu, como se ele fosse desinteressante e sem importância para a cidade.


Outro aspecto que reforça essa crise de relacionamento refere-se à questão do saneamento. Apesar de ser uma questão estrutural em nosso país, particularmente em nossa região, a situação do saneamento em Altamira é crítica. As bocas de lobo do cais e os igarapés que atravessam a cidade constituem, basicamente, a “rede” que drena, dia e noite, o esgoto urbano para o Xingu. Assim, seguindo a tradição de outras cidades amazônicas, como Belém, Abaetetuba e Santarém, entre uma infinidade de outras, Altamira trata o rio que a banha como um simples canal, cuja maior serventia é receber diariamente uma crescente carga de poluentes, cujos impactos ainda são desconhecidos.
Por fim, completando este quadro lamentável, não se deve esquecer o problema do lixo. Este problema é cada vez mais visível em Altamira, inclusive na borda de contato da cidade com o rio.
Nesta faixa, basta caminhar prestando um pouco de atenção para logo perceber a acumulação de toda espécie de derivados de vidro e plástico.
espécie de derivados de vidro e plástico.

Lixo espalhado nas margens do Rio Xingu
Foto: José Antônio Marinho
Em baixo das palafitas (que, aliás, parecem não fazer parte da cidade), bem como em toda extensão do cais, onde as pessoas transitam, lancham, conversam e namoram, o lixo se encontra em maior ou menor proporção. Até mesmo no trecho de orla da UFPA, conhecido como Rio Campus, as latinhas de bebidas, copos, garrafas e sacos plásticos são facilmente encontrados. Basta olhar no meio das plantas.


Lixo jogado fora das poucas lixeiras existentes


Foto: José Antônio Marinho

Neste contexto, cabe uma reflexão: o que o futuro guarda para o Xingu. A situação atual, a julgar apenas pelos aspectos sumariados, induz a pensar em um amanhã preocupante. A leitura da organização e das práticas sócio-espaciais em Altamira expressa o desprezo do poder público com a conservação desse rio. Tais práticas estão na base dos processos de degradação extremamente prejudiciais às formas de vida que habitam e se reproduzem nas águas xinguanas. Nesta toada, a rica e longa história envolvendo a cidade de Altamira e o Xingu encaminhar-se para uma fase crítica, na qual não mais haverá uma paisagem bucólica para contemplar; o “banhar” das tardes não mais haverá; restando apenas na memória a lembrança de uma relação que um dia fora quase pura.

*Prof. da Faculdade de Geografia – Campus de Altamira

Um comentário:

  1. Excelente texto do Professor Antonio Marinho, um título chamativo, que só ele por si só já fala tudo com extrema clareza e fatos.

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