quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conflitos Agrários em Anapu: a saga continua

Prof. José Antonio M. Marinho
(Faculdade de Geografia)

Os conflitos agrários em Anapu ganharam grande visibilidade com o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005. Tal assassinato, que teve repercussão internacional, evidenciou mais uma vez a gravidade e o desfecho comum dos problemas agrários em nossa região, sendo exemplar pela crueldade com que foi cometido. Ainda naquele mesmo ano, conforme a CPT, mais dois assassinatos ceifariam a vida de trabalhadores rurais no município, indicando a continuidade dos conflitos. Na abordagem geográfica, esta problemática vem sendo amplamente discutida, sendo considerada imanente ao próprio desenvolvimento do capitalismo no campo (ou na floresta). Mas apreciemos, inicialmente, uma explicação que, apesar de seu fundamento geográfico, não parece muito apropriada para o caso.
A defesa dos acusados de terem tramado a morte de Dorothy sugeriu que muitos conflitos na área eram estimulados pela atuação da própria missionária. Isto se deveria, conforme um famoso advogado que atua nesses casos, ao fato de a religiosa ter um comportamento belicoso, por ser norte-americana, argumento que se baseava, inclusive, em informações dando conta de seu envolvimento com a transação de armamentos. Provavelmente, se este assassinato tivesse acontecido no século XIX, esta argumentação teria sido levada mais a sério. Contudo, em nosso tempo, esta abordagem de cunho determinista, apesar de os EUA realmente estarem ‘’metidos’’ em uma série de conflitos pelo mundo todo, parece não ser muito promissora, pelo menos para ajudar a entender a natureza dos conflitos agrários em Anapu.
Uma interpretação mais concreta desses conflitos precisa considerar, necessariamente, a produção do espaço nesse município. A produção desse espaço é profundamente marcada pela construção da Transamazônica e pelas políticas de transferências de terras públicas para fazendeiros através do Contrato de Alienação de Terras Públicas (CATP). Neste modelo de ocupação econômica é que parece residir o DNA dos conflitos agrários na área, visto que confrontou, de um lado, agentes capitalizados, que sempre se recusaram em sair de terras públicas e deixar de explorar seus recursos naturais, e de outro, movimentos sociais, pressionando para que essas terras tivessem usos mais sustentáveis, com a criação de Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis (PDS), por exemplo.
É na confrontação dessas formas de usos do território que se instala um estado de tensão permanente, no qual o assassinato de trabalhadores rurais constitui o momento de violência mais explícito dentro de um processo conflituoso, em que a ameaça, a violência e o medo são estruturais. Comprovação disso vem da CPT de Anapu denunciando que a casa do Sr. Enival Soares Matias, agricultor assentado na parcela nº 996 da vicinal dois do PDS Anapu I (Esperança), que é um dos agricultores que estão acampados na entrada do PDS Esperança em manifestação contra a exploração ilegal de madeira no PDS, foi incendiada na manhã do dia 01 de abril de 2011, ficando completamente destruída, juntamente com todos seus objetos.
Para a CPT, isso foi um aviso do que poderá acontecer com os agricultores que estão contra os madeireiros no PDS, se as autoridades não agirem rápido em Anapu. Todavia, em um momento em que o Estado vem buscando implementar seus projetos na Amazônia a toque de caixa, o que esperar da advertência feita pela CPT? A julgar pelo contexto em que estamos, resta a esses agricultores apenas resistir com suas próprias forças, como já vêm fazendo, e contar, quem sabe, com alguma ajuda do além (onde, aliás, já têm vários conhecidos), pois, no plano concreto, o cerco está cada vez mais fechando, para parafrasear um eminente estudioso da questão agrária na região.

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