quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Um belo monte de conflitos - REVISTA ÉPOCA

07/11/2009 - 02:25 - Atualizado em 08/11/2009 - 08:51
Um belo monte de conflitos

Um documento do governo federal mostra que 47 obras do PAC afetam territórios indígenas – e podem ser interrompidas
Juliana Arini
Marizilda Cruppe
É GUERRA
Índios reunidos em aldeia em Mato Grosso protestam contra a construção da usina de Belo Monte, no Pará. Eles ameaçam atacar os operários da obra

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a maior vitrine do governo Lula para a eleição de 2010, é assunto comum em Brasília. A avaliação de seu andamento é divulgada periodicamente e gera discussões entre governo e oposição no Congresso. Na semana passada, o PAC foi assunto também na aldeia Piaraçu, na reserva Capoto-Jarina, em Mato Grosso. Cerca de 250 líderes indígenas de 14 etnias se encontraram para falar sobre o PAC. Mais especificamente, eles discutiram a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, uma das obras mais vistosas do programa.

A conversa foi pacífica, mas a decisão dos índios foi lançar gritos de guerra e ameaças à obra. “O governo vai ser responsável pelos danos aos operários e indígenas”, diz a carta assinada por caciques como Raoni e Megaron, da etnia caiapó, enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, os índios também estabeleceram suas estratégias para impedir o leilão que vai definir as empresas responsáveis pela construção da hidrelétrica, marcado para o dia 21 de dezembro.

A hidrelétrica de Belo Monte é uma obra grandiosa, que envolve a construção de um desvio no curso do Rio Xingu e pode custar até R$ 30 bilhões. Quando pronta, ela será a maior hidrelétrica puramente nacional, com capacidade de gerar 11.200 megawatts de energia, o equivalente a 10% da produção elétrica nacional atual. Mas, para isso se realizar, a obra vai afetar o território de dez nações indígenas (leia o quadro na próxima pág.) . A mobilização da semana passada é uma das primeiras reações a essa interferência. E está longe de ser única. Um levantamento feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela Casa Civil, obtido com exclusividade por ÉPOCA, mostra que pelo menos 47 obras do PAC em 16 Estados devem enfrentar barreiras na questão indígena (leia o quadro na próxima pág.) . Entre elas estão estradas, hidrelétricas, ferrovias, gasodutos e linhas de transmissão de energia. Algumas das principais obras do programa, como as usinas hidrelétricas do Jirau, em Rondônia, e do Estreito, no Maranhão, a BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, a Manaus, no Amazonas, e o gasoduto São Paulo-Rio de Janeiro, poderão atrasar devido a possíveis conflitos com os índios.

Em um país onde 12,4% do território pertence a terras indígenas, esse tipo de conflito já gerou o embargo de projetos. Provocou também várias ações extremas como invasões a canteiros de obra e sequestro de operários. Há um ano, índios da etnia enáuenê-nauê incendiaram máquinas e fizeram reféns os operários da construção das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) do Rio Juruena, em Mato Grosso. Eles protestavam contra os planos da Maggi Energia, empresa da família do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, de ampliar de sete para mais de uma dúzia o número de pequenas centrais a ser construídas no rio onde pescam.

Até agora, os maiores obstáculos ao avanço do PAC eram problemas operacionais, a falta de licenças ambientais e os embargos do Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeitas de irregularidades. A questão indígena é um novo obstáculo, que esbarra na falta de estrutura para ser solucionado. A Casa Civil gerencia o PAC por meio de grupos técnicos que acompanham as obras junto com os ministérios envolvidos. Na divisão de trabalho no governo, a questão indígena é de responsabilidade da Funai, que faz parte desses grupos técnicos. Na Funai, uma equipe de 12 antropólogos é encarregada de acompanhar todas as 47 obras do PAC que estão em conflito com terras indígenas. A Funai diz que a falta de mão de obra atrapalha esses processos e que está passando por uma reestruturação. Há 15 anos, havia 5 mil servidores no órgão. Hoje, são 2 mil – num momento em que a população indígena cresce a cada ano. Concursos estão previstos para preencher esse déficit.

O caso de Belo Monte mostra como pode nascer um conflito. A fúria dos índios foi supostamente inflamada por uma declaração do ministro de Minas e Energia, Édison Lobão. “Forças demoníacas puxam o país para baixo, impedindo que haja avanço”, disse Lobão. Outro elemento negativo foi um parecer da Funai favorável ao licenciamento ambiental do projeto. Os índios e integrantes de movimentos sociais acusam a Funai de traição. Eles afirmam que funcionários da Funai estiveram na área para discutir o projeto da usina, mas teriam dito que as conversas eram informais. “Os técnicos afirmaram que as reuniões nas aldeias não eram uma consulta oficial”, diz dom Erwin Krautler, bispo da Prelazia do Xingu em Altamira e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Depois, lançaram o parecer técnico alegando que os índios foram todos consultados.” Dom Erwin também enviou uma carta ao presidente Lula, em que faz um apelo para que o projeto não seja leiloado sem um debate mais amplo. “Estive em julho com o Lula. Ele me prometeu que o diálogo ia continuar e que em momento algum iriam empurrar esse projeto goela abaixo”, diz Erwin.
Hidrelétricas, rodovias, ferrovias e gasodutos estão
entre as obras que podem ser afetadas

Assim como muitos dos projetos incluídos no PAC, o conflito de índios com o projeto da usina de Belo Monte não começou no governo Lula. Em 1989, quando o projeto foi discutido pela primeira vez, os índios conseguiram o embargo da obra. A cena da índia caiapó Tuíra empunhando um facão contra o pescoço de um engenheiro s da Eletronorte virou símbolo da luta contra o projeto. A cena se repetiu em 2008. Durante uma reunião em Altamira, no Pará, o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende foi ferido no braço pelos índios com um facão. O que torna a hidrelétrica de Belo Monte tão polêmica são as dúvidas e suspeitas que cercam sua construção. Ninguém sabe ao certo qual será o impacto da hidrelétrica. Para construir um desvio no Rio Xingu, as empreiteiras devem remover uma quantidade de terra semelhante ao volume do Canal do Panamá, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico, uma das maiores obras de engenharia do século XX.

Os estudos de impacto ambiental sugerem a necessidade de um monitoramento futuro para determinar como ficará a região da Volta Grande do Rio Xingu após a construção da hidrelétrica. Em uma obra em que todos os números são gigantescos é difícil imaginar que o impacto será pequeno. A complexidade de um projeto para gerar energia no coração da Amazônia é refletida no tamanho dos estudos de impacto ambiental: são 20 mil páginas distribuídas em 36 volumes. Apesar do tamanho, alguns cientistas consideram o relatório de Belo Monte impreciso. “Entre os assuntos tratados com evidente deficiência estão a emissão de gases do efeito estufa (metano) , os impactos de inundação dentro da cidade de Altamira e a suficiência da vazão do rio para os peixes na região da Volta Grande do Xingu”, afirma Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, um dos cientistas que integraram um painel de 40 especialistas que analisaram os estudos da hidrelétrica. Especialistas afirmam também que o relatório ficou disponível para consulta pública por dois meses. Eles consideram esse tempo insuficiente para examinar um assunto tão complexo.

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