terça-feira, 2 de agosto de 2011

Infância, diversidade cultural e grandes projetos*

A situação da infância (incluindo a adolescência) na região do rio Xingu envolve necessariamente a discussão sobre a diversidade cultural, haja vista a intensa presença de povos e comunidades tradicionais, mas também das desigualdades e vulnerabilizações definidas a partir de contexto de violações de direitos humanos que têm, no cenário de possível implementação da UHE Belo Monte, conjuntura propícia para o acirramento das violências.
Tais assuntos foram tratados no curso de formação “Crianças e Adolescentes: diversidade, desigualdade e direitos”, ação promovida pelo programa de extensão “Assessoria Interdisciplinar e Intercultural de Direitos Humanos” (AIDH), no período de 6 a 8 de maio do corrente ano, com os participantes sendo, na sua maioria, conselheiros tutelares e de direitos dos municípios de Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Vitória do Xingu.
Quando se trabalha a infância e seus respectivos direitos humanos a partir da diversidade cultural é preciso definir que as concepções de infância variam conforme os grupos sociais e as constituições culturais específicas, sendo que os direitos humanos das crianças – em especial a Convenção dos Direitos da Criança (1989), a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/Lei N. 9.069/90) – recepcionaram apenas um modo de conceber a infância, aquele que a coloca no marcador cronológico que vai até os 18 anos. No entanto, entre os povos indígenas, por exemplo, os ritos de passagem das crianças ocorrem entre os 7 e 15 anos de idade e a tornam, no final do ritual,


jovens adultos, o que coloca o paradoxo de serem adultas na aldeia, mas ainda crianças para a sociedade nacional.
Assim, é necessário compreender que a diversidade cultural do “ser criança” implica na própria relativização do que as normas jurídicas instituíram como “ser criança”, não apenas no sentido cronológico, mas na disputa de conceitos como trabalho infantil, educação, lazer e ato infracional, entre outros, pois povos e comunidades tradicionais possuem modos diferenciados de concebê-los e temos de controlar nossos preconceitos na hora de analisamos e intervirmos, além de levar em consideração os direitos coletivos que os mesmos possuem, sobretudo em relação ao direito à consulta – serem consultados antes de qualquer ação externa – e à autodeterminação – terem respeitados os domínios próprios de compreensão da infância.
Por outro lado, as condições sociais das crianças na região do rio Xingu foram debatidas durante o curso de formação. Entre outras coisas, ficou nítido o aumento do número de pessoas que solicitam atendimento do Conselho Tutelar de Altamira, o que está diretamente relacionado com o aumento da migração decorrente da possibilidade de implantação da UHE Belo Monte. Além da necessidade de construção de outro Conselho Tutelar na cidade de Altamira, problemas ligados à exploração sexual, ao trabalho infantil, à educação e ao ato infracional, entre outros, foram relatados pelos participantes do curso de formação e resultaram na elaboração da “Carta aberta à sociedade e às autoridades públicas sobre a condição da criança, do adolescente e do jovem”, com demandas que visam à criação ou melhoria de políticas públicas voltadas para a educação, saúde, lazer, profissionalização e fortalecimento da rede de atendimento.

* Prof. Assis Oliveira - Faculdade de Etnodesenvolvimento da UFPA - E-mail: assisdco@ufpa.br

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